segunda-feira, 28 de março de 2011

Brincando com fogo - Emiliano José*

A tragédia japonesa obriga a humanidade a repensar sua caminhada. Maneira de dizer. Talvez um pensamento desejoso, só isso. Não sei se ela se sentirá obrigada. Não sei se o modo de produção dominante, inegavelmente capitalista, tem condições de absorver a noção de que todos perdem com a continuidade da lógica que tem presidido o desenvolvimento mundial. Lembro-me de um título de um livro, parece-me que de Italo Calvino, Seis lições para o próximo milênio.

Aproveito só o título para lembrar que uma das lições poderia ser a de que devagar se vai ao longe. O ritmo que o capitalismo impôs é o da velocidade, o do desenvolvimento desenfreado das forças produtivas, que poderia também ser denominada, pelo capitalismo, de destruição criativa. Uma briga acirrada entre o homem e a natureza, que deve terminar, e não me digam apressadamente tratar-se de uma visão apocalíptica, com a derrota de todos, e principalmente da humanidade. Esse ritmo de desenvolvimento incessante das forças produtivas, não custa lembrar, foi celebrado até pelo próprio Marx. Marshall Berman registra isso.

Tudo vale em nome do progresso. Não importa a destruição que provoque. Esse produtivismo cego nos levou a desastres variados, e não falo apenas daqueles gerados pela era nuclear. Antes que essa era ganhasse força, ou poucos antes da bomba atômica, um intelectual marxista bastante heterodoxo, vinculado à chamada Escola de Frankfurt, Walter Benjamin, já dizia do parentesco indissociável entre progresso e barbárie ou entre civilização e barbárie. Dizia, lá pelos anos 30, que se a humanidade olhasse para trás veria o gigantesco desastre que estava deixando atrás de si, as montanhas de detritos que se acumulavam século após século. Os rastros de barbárie que o progresso deixava atrás de si.

Imaginemos o que Benjamin diria hoje, passados menos de um século, e um incontável número de tragédias, desastres acumulados, montanhas inimagináveis de detritos. Penso sempre na figura de um marciano chegando à Terra, hoje, olhando lá de cima, e se perguntando sobre o que estamos fazendo conosco mesmos. Não, nem se queira lembrar da crueldade manifesta de Hiroshima e Nagasaki, um ataque em meio a uma guerra praticamente decidida. Queremos sim, pensar no que será do mundo, a continuar o ritmo desenfreado de evolução das chamadas forças produtivas, a desafiar as forças da natureza e a desdenhar dos monstros que tais forças provocam, como o da energia nuclear.

Argumento há para tudo. Como o de que ninguém podia prever um terremoto daquelas dimensões e o tsunami decorrente. Quem disse que não? O Japão, tão assolado por terremotos, sabe que isso podia ocorrer. O país é o epicentro de 20% dos terremotos do mundo. Em 1923, em Tóquio, morreram 142 mil pessoas em decorrência de um deles. E houve Chernobil, na antiga União Soviética. E houve Three Mile Island, nos EUA. E houve tantos outros acidentes, de menor dimensão, a indicar que a opção nuclear não tem nada de segura. Está longe disso.

E quem disse que não há outras opções? Sempre há. Trata-se de a humanidade responder se quer mesmo continuar a alimentar os monstros que criou, prosseguir na mesma louca velocidade, ou se pode olhar em torno e examinar outras tantas possibilidades, outros ritmos, como, no caso da energia, as opções eólicas, que na Bahia começam a dar passos significativos, solar e outras tantas. E tais opções, por obviedade, oferecem riscos muito menores, servem melhor à humanidade.

A esquerda, como sabemos, também embarcou na visão produtivista, na idéia do progresso incessante, indiferente aos males que tal visão podia ocasionar à natureza e à mãe terra como nosso lugar de existência. Muitos dos nossos ainda têm que se livrar dessa ideologia, compreender que a velocidade que se quer imprimir ao desenvolvimento às vezes é o melhor caminho para o desastre, que nunca é apenas ambiental. O rugido da natureza no Japão defrontou-se com um artefato humano perigoso, e foi contra o homem que o desastre se voltou. Qual o fim dessa corrida, se ela continua? Lamento dizer, mas a resposta é simples. E trágica.

*Jornalista, escritor, deputado federal (PT-BA).
Publicado no jornal A Tarde (28/03/2011)

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